Ilustração de Clint Cearley (via Pinzellades al món)
Apresentamos alguns poemas de Natal, escritos por poetas portugueses, para que entre, de forma poética, no espírito natalício.
Saboreie esta quadra festiva enquanto lê Manuel Alegre, Miguel Torga e Pedro Tamen.
Natal
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
Manuel Alegre em Poemas de Natal
(Alegre descreve não apenas a noite de Natal em si mas também todo um
ambiente natalício, propício à poesia e ao encanto. O poeta escreve
sobre encontrar o Natal em cada canto e em cada pormenor da vida
mundana.)
Não Digo do Natal
Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio
nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos
por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,
e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.
Pedro Tamen, em Antologia Poética
(Este poema de Pedro Tamen fala-nos da época natalícia de uma forma
peculiar, mas não menos interessante. Tal como nos indica o título, o
autor não pretende falar do Natal em si, mas sim de outros pormenores da
época que se enaltecem com a chegada da época e do mês de Dezembro.)
Último Natal (1990)
Menino Jesus, que nasces
Quando eu morro,
E trazes a paz
Que não levo,
O poema que te devo
Desde que te aninhei
No entendimento,
E nunca te paguei
A contento
Da devoção,
Mal entoado,
Aqui te fica mais uma vez
Aos pés,
Como um tição
Apagado,
Sem calor que os aqueça.
Com ele me desobrigo e desengano:
És divino, e eu sou humano,
Não há poesia em mim que te mereça.
Miguel Torga, em Diários
(Este poema é uma ode ao menino Jesus, uma homenagem feita pelo poeta que se descreve como apenas humano, já que Jesus Cristo é divino. O poeta remata esta ideia com o verso “Não há poesia em mim que te mereça”.)
Natal (Miguel Torga)
Foi tudo tão pontual
Que fiquei maravilhado.
Caiu neve no telhado
E juntou-se o mesmo gado
No curral.
Nem as palhas da pobreza
Faltaram na manjedoira!
Palhas babadas da toira
Que ruminava a grandeza
Do milagre pressentido.
Os bichos e a natureza
No palco já conhecido.
Mas, afinal, o cenário
Não bastou.
Fiado no calendário,
O homem nem perguntou
Se Deus era necessário…
E Deus não representou.
Rosas de Inverno (Camilo Pessanha)
Corolas, que floristes
Ao sol do inverno, avaro,
Tão glácido e tão claro
Por estas manhãs tristes.
Gloriosa floração,
Surdida, por engano,
No agonizar do ano,
Tão fora da estação!
Sorrindo-vos amigas,
Nos ásperos caminhos,
Aos olhos dos velhinhos,
Às almas das mendigas!
Desse Natal de inválidos
Transmito-vos a bênção,
Com que vos recompensam
Os seus sorrisos pálidos.
Fonte:
Espalha e Factos. Disponível em https://espalhafactos.com/2019/12/24/4-poemas-de-natal-na-voz-de-poetas-portugueses/
Livro & café. Disponível em https://livroecafe.com/2014/12/5-poesias-sobre-natal/
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