domingo, 24 de dezembro de 2023

5 poemas de Natal na voz de poetas portugueses

Ilustração de Clint Cearley (via Pinzellades al món)

Apresentamos alguns poemas de Natal, escritos por poetas portugueses, para que entre, de forma poética,  no espírito natalício. 

Saboreie esta quadra festiva enquanto lê Manuel Alegre, Miguel Torga e Pedro Tamen.


Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Era gente a correr pela música acima.

Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.

Guitarras guitarras. Ou talvez mar.

 E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.

No teu ritmo nos teus ritos.

No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).

Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.

E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.

No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).

Todo o tempo num só tempo: andamento

de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.

Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva

acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva

na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.

Como se fosse na palavra a rosa brava

acontecia. E era Dezembro que floria.

Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.

E era na lava a rosa e a palavra.

Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Manuel Alegre em Poemas de Natal

(Alegre descreve não apenas a noite de Natal em si mas também todo um ambiente natalício, propício à poesia e ao encanto. O poeta escreve sobre encontrar o Natal em cada canto e em cada pormenor da vida mundana.)


Não Digo do Natal

Não digo do Natal – digo da nata

do tempo que se coalha com o frio

e nos fica branquíssima e exacta

nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade

esses tempos relíquidos e pardos

e faz assim que o coração se agrade

de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então

é que descobre dias de brancura

esta nova pupila, outra visão,

e as cores da terra são feroz loucura

moídas numa só, e feitas pão

com que a vida resiste, e anda, e dura.

Pedro Tamen, em Antologia Poética

(Este poema de Pedro Tamen fala-nos da época natalícia de uma forma peculiar, mas não menos interessante. Tal como nos indica o título, o autor não pretende falar do Natal em si, mas sim de outros pormenores da época que se enaltecem com a chegada da época e do mês de Dezembro.)


Último Natal (1990)

Menino Jesus, que nasces

Quando eu morro,

E trazes a paz

Que não levo,

O poema que te devo

Desde que te aninhei

No entendimento,

E nunca te paguei

A contento

Da devoção,

Mal entoado,

Aqui te fica mais uma vez

Aos pés,

Como um tição

Apagado,

Sem calor que os aqueça.

Com ele me desobrigo e desengano:

És divino, e eu sou humano,

Não há poesia em mim que te mereça.

Miguel Torga, em Diários

(Este poema é uma ode ao menino Jesus, uma homenagem feita pelo poeta que se descreve como apenas humano, já que Jesus Cristo é divino. O poeta remata esta ideia com o verso “Não há poesia em mim que te mereça”.)


Natal (Miguel Torga)

Foi tudo tão pontual

Que fiquei maravilhado.

Caiu neve no telhado

E juntou-se o mesmo gado

No curral.


Nem as palhas da pobreza

Faltaram na manjedoira!

Palhas babadas da toira

Que ruminava a grandeza

Do milagre pressentido.

Os bichos e a natureza

No palco já conhecido.


Mas, afinal, o cenário

Não bastou.

Fiado no calendário,

O homem nem perguntou

Se Deus era necessário…

E Deus não representou.


Rosas de Inverno (Camilo Pessanha)

Corolas, que floristes

Ao sol do inverno, avaro,

Tão glácido e tão claro

Por estas manhãs tristes.


Gloriosa floração,

Surdida, por engano,

No agonizar do ano,

Tão fora da estação!


Sorrindo-vos amigas,

Nos ásperos caminhos,

Aos olhos dos velhinhos,

Às almas das mendigas!


Desse Natal de inválidos

Transmito-vos a bênção,

Com que vos recompensam

Os seus sorrisos pálidos.


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