«As bibliotecas são como aeroportos. São lugares de viagem. Entramos numa biblioteca como quem está a ponto de partir . E nada é pequeno quando tem uma biblioteca». As bibliotecas de Valter Hugo Mãe – Jornal de Letras nº 1112, maio de 2013
Agrupamento de Escolas Pioneiros da Aviação Portuguesa - Biblioteca Escolar da Escola Secundária da Amadora.
A equipa educativa da Biblioteca Escolar – Centro de Recursos Educativos da Escola Secundária da Amadora deseja à Comunidade Educativa e a todos os leitores/ acompanhantes deste blogue um Ano 2021 com saúde, tranquilidade e esperança, repleto de alegrias e de realizações e neste virar de página/ano reproduz o poema “O ano passado”, de Carlos Drummond de Andrade:
O ANO PASSADO
O ano passado não passou, continua incessantemente. Em vão marco novos encontros. Todos são encontros passados.
As ruas, sempre do ano passado, e as pessoas, também as mesmas, com iguais gestos e falas. O céu tem exatamente sabidos tons de amanhecer, de sol pleno, de descambar como no repetidíssimo ano passado.
Embora sepultos, os mortos do ano passado sepultam-se todos os dias. Escuto os medos, conto as libélulas, mastigo o pão do ano passado.
E será sempre assim daqui por diante. Não consigo evacuar o ano passado.
De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe de mais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser - e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas acções é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo por muito largo conseguia viver.
E ali vinha de mais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez reis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa... E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza.
Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura... Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário colectivo da fome, podiam. O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer? Bem, um pobre já está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara. Aborrecer-se para quê?! Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo... Areias, queriam dizer. Importava-se lá.
E caía, o algodão em rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido! O que é, sendo assim, adeus noite de Natal em Lourosa...
Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama!
Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes.
Não havia que ver: nem pensar noutro pouso. E dar graças!
Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiu-se, e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento, ou alguma alma pecadora forçara a fechadura.
Vá lá! Do mal o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se dentro. Assunto a resolver na ocasião devida... Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha.
Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois de um clarão animador, apagou-se. Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos é que não.
Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel.
Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao céu por aquela ajuda, olhou o altar.
Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe. Boas festas! - desejou-lhe então, a sorrir também. Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se e deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o ar canho. Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo.
Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava?
Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra e sentou-se. Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência, ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda. É servida?
A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também.
E o Garrinchas, diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se ao altar, pegou na imagem e trouxe-a para junto da fogueira.
- Consoamos aqui os três - disse, com a pureza e a ironia de um patriarca. – A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.
TORGA, Miguel; "Novos contos da montanha", Lisboa: BIS, 2008; Encontro de leituras, post 23.12.2019 (Em linha) (Consult. 22.12.2020) Disponível em https://encontrodeleituras.blogspot.com/2019/12/natal-regresso-casa.html?spref=fb&fbclid=IwAR15-m5imCoZs13k3Bf55pi8ZD7RJ6lc9BPmNN9w9_qD0AT6SF8pKu84wls
🎄
Este conto de Torga foi adaptado para televisão e incluído na minissérie de 6 episódios "Contos de Natal", produzida para a RTP1, em 2006, pela Utopia Filmes
Para expressar o muito do que sentimos e desejamos, partilhamos consigo o Poema de Vinicius de Moraes, por ele magnificamente declamado e musicado, relembrando-nos que, em tempo de Natal, "Para isso fomos feitos / Para lembrar e ser lembrados..."
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos?
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos?
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai?
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte?
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
A equipa educativa da BE/CRE da Escola Secundária da Amadora deseja à Comunidade Educativa do Agrupamento de Escolas Pioneiros da Aviação Portuguesa e a todos os leitores/ acompanhantes deste blogue um Santo Natal repleto de paz e ternura e pleno de satisfações. Deixo-vos com um fragmento de "Quando um homem quiser", um poema de Ary dos Santos:
Quando um Homem Quiser
"... Natal é em dezembro
mas em maio pode ser
Natal é em setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher..."
(Ary dos Santos, in 'As palavras das cantigas')
FONTE:
MATOS, Hernâni; “O presépio na pintura portuguesa” in Do tempo da outra senhora”; post de 26.02.2010 (Em linha) (Consult. 21.12.2020)Disponível em
https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.pt/2010/12/o-presepio-na-pintura-portuguesa.html
Poesia Portuguesa; “Natal é quando um homem quiser”, post 23.12.2012 (Em linha) (Consult. 21.12.2020) Disponível em https://portuguesapoesia.blogspot.com/2012/12/natal-e-quando-o-homem-quiser.html
O Centro Ciência Viva promove a Conferência de Natal 2020, que incide sobre o comportamento social e a herança biológica, em contextos de stress ou de crise como aquele em que atualmente vivemos.
Que efeitos tem o stress no nosso cérebro e no nosso comportamento?
Será que nos tornamos mais sociáveis, cooperantes ou empáticos em momentos de crise? E no Natal?
Manuel Sobrinho Simões, Júlio Machado Vaz, Tiago Alves e Miguel Soares irão realizar no Teatro Nacional São João, no Porto, 21 dezembro, às 19H00, uma emissão especial do programa de rádio “Old Friends”.
A conferência será também transmitida em direto, via streaming, em www.cienciaviva.pt.
As Conferências de Natal Ciência Viva são organizadas em parceria com instituições científicas de referência, nacionais e estrangeiras. São inspiradas nas Christmas Lectures do Royal Intitution de Londres, criadas em 1825, por Michael Faraday, e destinam-se a públicos de todas as idades.
Numa justa homenagem ao centenário do nascimento de Clarice Lispector (10.12.1920 - 10.12.2020) a Biblioteca elege como livro do mês a obra " Contos".
A obra de Clarice Lispector marcou o século XX brasileiro e deixou um rasto singular na literatura de Língua Portuguesa.
«Amo esta língua», dizia. «Não é uma língua fácil. É um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve querendo roubar às coisas e pessoas a sua primeira camada superficial. É uma língua que por vezes reage contra um pensamento mais complexo. Por vezes o imprevisto de uma frase causa-lhe medo. Mas eu gostava de manejá-la - tal como outrora gostava de montar um cavalo para o levar pelas rédeas, umas vezes lentamente, outras a galope.»
(In: contracapa do livro)
Nesta obra, que reúne grande parte dos contos de Clarice Lispector, a autora aborda temas tradicionalmente relacionados com a esfera feminina, situados social e historicamente e, na qual, evidencia a dimensão reflexiva e melancólica que a caracteriza.
Fica aqui uma pequena nota sobre a autora:
Clarice Lispector nasceu a 10 de dezembro de 1920 na Ucrânia, então em vias de integração na URSS. Os pais eram judeus e o seu nome de batismo Chaya Lispector.
A família fora vítima dos pogroms, particularmente intensos a partir de dezembro de 1918. Foi para fugir à devastação da guerra civil que os Lispectors emigraram para o Brasil em 1922, fixando-se primeiro em Maceió e depois no Recife.
Clarice, nome adotado no Brasil, demonstrou um precoce interesse pelas palavras.
Em 1998, na cerimónia da atribuição do Prémio Nobel da Literatura, Saramago proferia as seguintes palavras:
"...Cumpriram-se hoje exactamente cinquenta anos sobre a assinatura da Declaração Universal de Direitos Humanos.(...).
Foi-nos proposta uma Declaração Universal de Direitos Humanos, e com isso julgámos ter tudo, sem repararmos que nenhuns direitos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem, o primeiro dos quais será exigir que esses direitos sejam não só reconhecidos, mas também respeitados e satisfeitos. Não é de esperar que os Governos façam nos próximos cinquenta anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicarmos os nossos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa começar a tornar-se um pouco melhor..."
Vinte anos mais tarde, em abril de 2018, a "Carta Universal dos Deveres e Obrigações dos Seres Humanos", inspirada nesse discurso de José Saramago, foi entregue à ONU, numa iniciativa promovida por Pilar del Río, presidente da Fundação José Saramago, e pela Universidad Nacional Autónoma de México.
A "Carta Universal dos Deveres e Obrigações dos Seres Humanos" visa defender a "ética da responsabilidade" (Pilar del Río) e complementar a Declaração Universal dos Direitos Humanos: o seu primeiro artigo declara que todas as pessoas têm "o dever de cumprir e exigir o cumprimento dos direitos" reconhecidos por essa Declaração.
Neste momento, a Fundação José Saramago trabalha para que a Carta seja divulgada em vários idiomas e chegue ao máximo possível de pessoas em todo o mundo.
"A proliferação do reconhecimento de direitos provocou uma compreensão enganosa. Muitas pessoas assumem que os direitos não têm a sua correspondência em obrigações. É como se se pensasse que um indivíduo assumiu todos os direitos para o seu crescimento e a realização das suas satisfações, sem que isso implicasse o assumir de qualquer responsabilidade para consigo mesmo, os seus semelhantes, o entorno que o rodeia ou o Estado. É necessário pensar o mundo dos direitos em termos de co-responsabilidade".
(In pág. 3)
Clique na imagem para aceder ao texto integral desta Carta.
Assinala-se hoje o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Foi neste dia, em 1948, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela primeira vez, sendo considerada uma das obras mais profundas da civilização humana.
O tema deste ano é «Recuperar- melhor - Defender os Direitos Humanos», tendo em conta o contexto da pandemia Covid-19 e a importância que estes têm para a reconstrução de um mundo melhor. Deste modo os direitos humanos devem ser colocados no centro do mundo pós COVID-19.
A crise da COVID-19 foi alimentada pelo agravamento da pobreza, pelo aumento das desigualdades, pela discriminação estrutural e arraigada e por outras lacunas na proteção dos direitos humanos. Somente medidas para colmatar essas lacunas e promover os direitos humanos podem assegurar a recuperação e a (re)construção de um mundo melhor, mais resiliente, justo e sustentável.
Acabar com a discriminação de qualquer tipo: a discriminação estrutural e o racismo alimentaram a crise do COVID-19. Igualdade e não discriminação são requisitos essenciais para um mundo pós-COVID.
Abordar as desigualdades: para recuperarmos da crise, devemos também abordar a pandemia da desigualdade. Para isso, temos de promover e proteger os direitos económicos, sociais e culturais. Precisamos de um novo contrato social para uma nova era.
Incentivar a participação e a solidariedade: estamos todos juntos nisso. Dos indivíduos aos governos, da sociedade civil e das comunidades de base para o setor privado, todos têm um papel na construção de um mundo pós-COVID que seja melhor para as gerações presentes e futuras. Precisamos garantir que as vozes dos mais afetados e vulneráveis informem os esforços de recuperação.
Promover o desenvolvimento sustentável: precisamos de um desenvolvimento sustentável para as pessoas e para o planeta. Os direitos humanos, a Agenda 2030 e o Acordo de Paris são a pedra angular de uma recuperação que não deixa ninguém para trás.
Aqui fica a mensagem da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que assinala a efeméride:
Nascer em Portugal significava no início de 2020 herdar a terceira maior dívida pública da Europa.
No futuro, o país vai ficar mais perto ou mais longe do centro mundo?
Vai a tecnologia ajudar-nos a vencer a geografia?
A educação e a imigração vão ser antídoto para os impactos da dívida e de uma população cada vez mais envelhecida?
Pistas para falar do futuro no último documentário da série «Nós, Portugueses», com que a Fundação Francisco Manuel dos Santos assinala os 10 anos da Pordata, co-produzida com a RTP, com narração do jornalista Carlos Daniel.
A ver na RTP 1, às 21H00:
👉 1.ª parte do documentário: dia 10 de dezembro 👉 2.ª parte do documentário: dia 11 de dezembro
Título: Plágio : propriedade e apropriação em Eça, Zola e outros...
Autor: Carlos Jorge Figueiredo Jorge
Impresso por PUBLIDISA - Publicaciones Digitales S.A.
Data: 2013
N.º páginas: 24 p.
Introdução
Quando Machado de Assis, no comentário crítico que fez a O Primo Basílioe O Crime do Padre Amaro, acusou este último romance de ser uma simples imitação de La faute de l´abbé Mouret, iniciou um processo retórico de restrições nos códigos de leitura do romance criticado, cujas consequências, do nosso ponto de vista, dificilmente poderão ser alteradas. Entre estas, a mais evidente é a que leva a associar, quase sempre, a questão do plágio ao romance de Eça. Contudo, não se trata de uma acusação evidente de plágio, a que fez o mestre brasileiro.
O processo, como veremos melhor adiante, é insidioso e ambíguo. Ficam no ar, quando a questão do plágio é convocada, uma série de interrogações perturbantes. Comecemos por observar atentamente o enunciado mais diretamente comprometedor da crítica de Machado de Assis: “O próprio Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La faute de l'abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências como no capítulo da missa, e outras; enfim o mesmo título” (Machado de Assis, 1878 – numa crítica publicada no jornal carioca, O Cruzeiro). Como se observa, de imediato, a acusação surge numa espécie eufemismo, dentro de uma frase que parece surgir apenas como um pormenor complementar, na argumentação a propósito de outra coisa. Não é para reparar muito atentamente, é para ficar como uma sentença cuja veracidade nem se discute.
Desastres e emergências não apenas lançam luz sobre o mundo como ele é. Eles também rasgam o tecido da normalidade. Pelo buraco que se abre, nós vislumbramos possibilidades de outros mundos.
Peter C. Baker, The Guardian
A UNESCO foi fundada após a Segunda Guerra Mundial, nascida da convicção de que esse conflito sem precedentes poderia dar origem a um mundo melhor e mais unido. Como as guerras começam nas mentes de homens e mulheres, é nas mentes de homens e mulheres que um mundo melhor deve ser construído, argumentaram os fundadores da Organização. A ideia deles é mais pertinente do que nunca, à medida que os países começam a emergir da crise global da COVID-19, que questionou nossas prioridades, nossos modos de vida e o funcionamento de nossas sociedades.
Pessoas de todo o mundo mostraram solidariedade durante a emergência de saúde e viram como uma forma aprimorada cooperação pode ajudar a construir um futuro melhor. No entanto, à medida que o mundo começa a emergir da pandemia, nós tendemos a esquecer as lições que aprendemos e “voltamos ao normal”, desconsiderando o custo daquilo que consideramos normal para o nosso ambiente, economia, saúde pública e sociedade.
A UNESCO está lançando uma campanha mundial que desafia a nossa percepção de normalidade. O vídeo de 2min e 20s não se baseia em argumentos complicados para demonstrar seu objetivo. Simplesmente apresenta informações factuais sobre o mundo antes e durante a pandemia. Colocados lado a lado, esses fatos convidam os espectadores a questionar suas ideias sobre o que é normal, sugerindo que, por muito tempo, nós aceitamos o inaceitável. Nossa realidade anterior não pode mais ser aceita como normal. Agora é a hora da mudança.
Como agência intelectual das Nações Unidas, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) acredita que a necessidade de mudanças duradouras deve se enraizar nos corações e nas mentes das pessoas em todos os lugares antes que se torne realidade.
A campanha faz parte de um esforço mais amplo da UNESCO para refletir sobre o mundo por vir, notadamente por meio da iniciativa do UNESCO Forum, uma série de painéis de debates sobre o futuro da cultura e das indústrias culturais; da Futures Literacy Network, bem como do programa The Futures of education e das recomendações globais para ciência aberta e a ética da inteligência artificial. Essas são questões importantes nas quais a UNESCO começou a trabalhar muito antes de serem colocadas no centro do palco pela pandemia.
A UNESCO convida os líderes dos media e os formadores de opinião a compartilhar a campanha “The Next Normal” (“O próximo normal”), criada pela agência DDB Paris, disponível a partir de 25 de junho de 2020.
Por seis casos inspiradores, de pessoas que perante as injustiças que se cruzaram no seu caminho, tiveram a coragem de erguer a sua voz. Por serem corajosos, foram presos, estão a ser injustamente acusados ou correm risco de vida. Agora é a nossa vez que não ficarmos em silêncio.
São eles:
Germain Rukuki
Burundi
Germain é um defensor de direitos humanos no Burundi. Contudo, devido ao seu trabalho pacífico, foi injustamente acusado e condenado a 32 anos de prisão. Está neste momento numa prisão sobrelotada e nunca conheceu o seu filho mais novo.
Jani Silva
Colômbia
Jani nasceu na Amazónia colombiana e dedicou toda a sua vida à defesa das árvores, das terras e de todo um ecossistema fundamental para as vidas de todos nós. Mas o seu ativismo pacífico e coragem colocaram-na em disputa contra grandes empresas que pretendem lucrar com a exploração de recursos naturais. Por defender este território, Jani encontra-se em perigo de vida.
Grupo de Solidariedade LGBTI+
Turquia
Desde o primeiro dia que os estudantes de biologia Melike Balkan e Özgür Gür se dedicam a defender os direitos LGBTI+ na sua universidade, na Turquia. Mas tudo mudou quando as autoridades reprimiram violentamente um dos seus eventos pacíficos. Hoje, vários estudantes arriscam-se a ser presos. Melike e Özgür são dois deles.
Nassima al-Sada
Arábia Saudita
Nassima é uma das corajosas mulheres que fez campanha pela liberdade das mulheres na Arábia Saudita. Agora, perdeu a sua. Detida desde 2018, Nassima foi vítima de maus tratos e colocada numa pequena cela, em regime de solitária, durante um ano. Tudo pelo seu trabalho pacífico em direitos humanos.
El Hiblu 3
Malta
Quando um navio que resgatou migrantes e refugiados no Mediterrâneo ameaçou que os devolveria à Líbia, três jovens fizeram a diferença: agindo como intérpretes, ajudaram a pôr fim ao pânico que se instalou a bordo. Mas agora, simplesmente por terem agido para proteger as suas vidas e as de todos os envolvidos, arriscam-se a serem presos.
Paing Phyo Min
Myanmar
Paing Phyo Min é um jovem que faz parte de um grupo de poesia satírica no Myanmar. Por ter criticado os militares do país durante uma das suas atuações, foi condenado a seis anos de prisão. Neste momento, está numa prisão sobrelotada e com elevados riscos de contágio de COVID-19.
É o maior evento de ativismo do mundo, organizado pela Amnistia Internacional.
Com a Maratona de Cartas, o mundo inteiro atua em defesa de um conjunto de casos selecionados e esse movimento global permite, muitas vezes, mudarmos as vidas dessas pessoas. Lutamos juntos. Vencemos juntos.
Em 2019/20, naquela que foi a primeira edição da Maratona de Cartas inteiramente digital organizada pela Amnistia em Portugal, as assinaturas foram recolhidas de forma online e posteriormente impressas e entregues às respetivas autoridades. Com esta nova metodologia, foi possível evitar a impressão de quase 100 000 folhas de papel.
A organização entregou às autoridades 133 944 assinaturas vindas de Portugal. Neste número estão incluídas as 700 assinaturas provenientes do nosso Agrupamento.
A nível mundial, a Maratona de Cartas atingiu na edição passada um novo valor recorde, com mais de 6,5 milhões de assinaturas.
Vamos ultrapassar estes números este ano?
Desafie todas as pessoas que conhece (familiares, amigos, conhecidos) a assinarem a petição da Amnistia Internacional em defesa dos defensores de direitos humanos em risco e ajude a divulgar a iniciativa (use as suas redes sociais).