sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

💖 Amar

Amar

Que pode uma criatura senão,
Entre criaturas, amar?
Amar e esquecer, amar e malamar,
Amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
Sozinho, em rotação universal, senão
Rodar também, e amar?
Amar o que o mar traz à praia,
O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
O que é entrega ou adoração expectante,
E amar o inóspito, o áspero,
Um vaso sem flor, um chão de ferro,
E o peito inerte, e a rua vista em sonho,
E uma ave de rapina.

Este o nosso destino: Amor sem conta,
Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
Doação ilimitada a uma completa ingratidão,
E na concha vazia do amor à procura medrosa,
Paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
E na secura nossa, amar a água implícita,
E o beijo tácito, e a sede infinita.

(Carlos Drummond de Andrade, em "Claro enigma", 1951)

Oiça o poema "Amar" declamado pelo ator brasileiro Paulo Autran:




Fonte:
Revista Prosa Verso e Arte; "Amar _Carlos Drummond de Andrade" (Em linha) (Consult. 14.02.2020) Disponível em https://www.revistaprosaversoearte.com/amar-carlos-drummond-de-andrade/

💞 Dia de S. Valentim

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