[Mas agora estou no intervalo em que]
Mas agora estou no intervalo em que
toda a sombra é fria e todo o sangue é pobre.
Escrevo para não viver sem espaço,
para que o corpo não morra na sombra fria.
Sou a pobreza ilimitada de uma página.
Sou um campo abandonado. A margem
sem respiração.
Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe
a ciência certa da navegação no espaço,
o corpo abre-se ao dia, circula no próprio dia,
o corpo pode vencer a fria sombra do dia.
Todas as palavras se iluminam
ao lume certo do corpo que se despe,
todas as palavras ficam nuas
na tua sombra ardente.
A Construção do Corpo, 1969
In: Jornal Público, Alguns poemas de António Ramos Rosa, 24-09-2013, [Em linha] [Consult. 24-09-2013] Disponível em http://www.publico.pt/cultura/noticia/alguns-poemas-de-antonio-ramos-rosa-1606857
aleceu ontem dia 23 de setembro de 2013, aos 88 anos, no Hospital
Egas Moniz onde estava internado", António Victor Ramos Rosa,
considerado um dos poetas decisivos do século XX português, como
afirmou à agência lusa o presidente da Associação Portuguesa de
Escritores, José Manuel Mendes.
António Ramos Rosa nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924. Por razões de saúde não concluiu o ensino secundário, tendo trabalhado como empregado de escritório, correspondente comercial, professor e tradutor. Nos anos 50 mudou-se para Lisboa, onde dirigiu as revistas literárias Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia, e onde se distinguiu como ensaísta e crítico literário, tendo também colaborado com as revistas Seara Nova e Colóquio Letras.
O seu primeiro livro de poesia foi O Grito Claro, em 1958, que ajudaria a lançar o movimento da moderna poesia portuguesa e marcaria a sua fama como um dos grandes escritores portugueses vivos. Desde então publicou numerosos livros de poesia, que lhe valeram também vários prémios nacionais e estrangeiros, como o Prémio Pessoa de 1988.
Óscar Lopes e António J. Saraiva comentaram que a sua produção poética oscilava entre composições mais longas, onde se apreendem frustrações cansadas, e formas mais experimentais de poesia, em que a presença humana é substituída pelo sentir das coisas de materialidade mais óbvia.
Envolveu-se, logo após o final da segunda guerra, na oposição ao salazarismo, militando no MUD Juvenil e participando em manifestações. Nos anos 50 ajudou a fundar e coordenou várias revistas literárias, incluindo Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia, nas quais colaborou com textos de crítica literária e poemas.
Embora publicasse poemas em revistas desde o início dos anos 50, o seu primeiro livro só saiu em 1958, aos 34 anos. Mas a partir desta estreia algo tardia, nunca mais deixaria de editar poesia a um ritmo impressionante.
Além da sua vastíssima obra poética, escreveu livros de ensaios que marcaram sucessivas gerações de leitores de poesia, como Poesia, Liberdade Livre (1962) ou A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979), traduziu muitos poetas e prosadores estrangeiros, sobretudo de língua francesa, e organizou uma importante antologia de poetas portugueses contemporâneos (a quarta e última série das Líricas Portuguesas). Era ainda um dotado desenhador.
A. R. R. recebeu vários prémios de poesia, o primeiro dos quais pela obra Viagem Através de Uma Nebulosa, partilhado ex-aequo com Henrique Segurado. Em 1980, o Prémio do Centro Português da Associação de Críticos Literários, pelo livro O Incêndio dos Aspectos; em 1988, o Prémio Pessoa; em 1989, o Prémio APE/CTT, pela recolha Acordes, e, em 1990, o Grande Prémio Internacional de Poesia, no âmbito dos Encontros Internacionais de Poesia de Liège.
Texto organizado pela professora Alice Ramilho, departamento curricular 530.
Se quiser saber mais sobre este poeta português pode consultar: